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sábado, 27 de dezembro de 2014

NÃO GOSTO DE VOCÊ Papai Noel

NÃO GOSTO DE VOCÊ Papai Noel



Nunca gostei do papai noel. 

Quando criança eu o achava muito injusto. Nunca entendi muito bem porque ele ocupa um lugar de destaque no Natal se ele nem é  o aniversariante.

 Ainda não consigo entender porque ele leva os créditos pelos esforços e pelo carinho dos pais ao comprar os presentes.

Também não sei qual é o sentido de ganhar um presente de um velho desconhecido, que mora lá no Alasca, que nunca aparece, que nunca  faz um afago, que nunca conta uma história, que nunca  acalenta, que nunca está presente quando se precisa dele, que nunca se importa, que sendo muito rico e podendo dar os melhores presentes para todas as crianças,  só entrega os presentes dos sonhos, os presentes caros  para as crianças ricas. As crianças pobres, se tiverem bom comportamento, ganham um presentinho qualquer. E algumas crianças pobres, mesmo com bom comportamento, não ganham presentes na noite de Natal.

Não compreendo a razão de alimentar esta fantasia na mente da criança quando é muito mais aceitável, ganhar um presente humilde do pai que  não pode comprar um presente melhor, ou não ganhar presentes porque a família está passando por dificuldades, do que saber que existe um velhinho cheio da grana,  que tem todos os brinquedos do mundo para distribuir para as crianças, mas que não trouxe o presente esperado, ou nem trouxe presente algum na noite de  Natal.

Se há uma tradição que evidencia a desigualdade social, esta é a tradição por excelência.

É a época do ano em que pessoas mais abastadas, para se redimirem da sua indiferença o ano todo, compram uns presentinhos baratos e levam  para as favelas e para as moradias pobres fazendo “caridade”.

Não entendo porque jogaram o holofote sobre o “bom velhinho”, que discrimina, que humilha, que não tem mérito algum para ocupar este espaço tão importante no coração da criança.

O aniversariante da vez, que se humilhou para nos exaltar, que morreu a nossa morte para que tenhamos vida, que promete estar conosco todos os dias da nossa vida, é ofuscado na mente da criança por um “velhinho do Pólo Norte” que nem existe.

Amei esta poesia de Aldemar Paiva que descreve tão bem as injustiças e os problemas sociais que esta tradição acarreta.


Monólogo do Natal 
 

                                                                                 Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade, 

jogavam pedra nessa fantasia. 

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz, 

sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente 

e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou. 


Dias depois, meu pobre pai, cansado, 
trouxe um trenzinho feio, empoeirado, 
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou: 

“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção. 


Alegre e inocente nesse caso, 
eu pensei que meu bilhete com atraso, 
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, 

ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. 


O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco: 

“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”. 


Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar 

um mimo que nos deu, quem nos quer bem, 
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”. 


Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou

ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou. 

Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido, 

para não me ver assim desiludido, 
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo, 

foi longe pra trazer-me um lenitivo, 
roubando o trem do filho do patrão. 

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia, 

entrou na cela e o libertou pro céu.

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